‘Formação econômica do Brasil’ apóia-se numa visão derivada tanto da história como da economia. A combinação do método histórico com a análise econômica era, na época, uma novidade. O texto se inicia com a análise da ocupação do território brasileiro, comparada também com as colônias do hemisfério norte e das Antilhas. Seguem-se os ciclos do açúcar, da pecuária, do ouro, a ascensão da economia cafeeira, e, no século XX, a crise da cafeicultura e a industrialização, cuja especificidade o autor trata com excepcional clareza. Em paralelo aos cinco séculos de história econômica, Celso Furtado estuda a evolução da mão-de-obra no Brasil, desde a escravidão até o trabalho assalariado, o dos imigrantes europeus e o dos migrantes internos. Na conclusão, aponta os dois desafios a serem enfrentados até o fim do século XX, e que guardam plena atualidade – completar a industrialização do país e deter o processo das disparidades regionais.
Opinião do Leitor:
Jose Carlos / Data: 21/7/2008
Conceito do leitor:
Panorâmica de nossa origem econômica
Tive que ler este livro por obrigação e no entanto foi um aprendizado agradável / interessante dada a habilidade em sintetizar pontos chaves dos momentos históricos e a linguagem coloquial (”economês” mínimo). Infelizmente cobre até a primeira metade do século XX e de lá prá cá muita coisa mudou muito … Como NÃO sou nenhum especialista em economia / história, a leitura além de prazerosa me ajudou a conhecer mais do Brasil.
Saiu na Imprensa:
Correio Braziliense / Data: 17/2/2007
Unanimidade nacional
Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, permanece entre as obras que melhor explicam o país e ganha reedição da Companhia das Letras
Nelson Torreão
Quando faziam as entrevistas para Conversas com economistas brasileiros (Ed. 34 Ltda., São Paulo, 1996), Ciro Biderman, Luis Felipe L. Cosac e José Marcio Rego, se defrontaram com uma unanimidade – de Delfim Netto, a Maria da Conceição Tavares, passando por Roberto Campos, todos os entrevistados citavam Formação econômica do Brasil, de Celso Furtado, entre os livros mais importantes que haviam lido.
A obra deve sua importância à originalidade das teses defendidas por Furtado sobre o desenvolvimento econômico do Brasil. Recorrendo às ferramentas de análise da escola estruturalista – da qual Furtado e o economista argentino Raúl Prebisch foram os pais -, Formação econômica do Brasil argumenta que o subdesenvolvimento brasileiro se deve a características históricas que tornam o país diferente das economias desenvolvidas.
Ao reivindicar essas especificidades, Furtado descarta, como inapropriada, a aplicação de conceitos da teoria econômica européia ao caso brasileiro. As respostas para entender o problema do subdesenvolvimento nacional não deveriam ser buscadas apenas na teoria econômica, mas também nas estruturas sociais, políticas e institucionais que se geraram ao longo da história. É nesse ponto que reside a primeira contribuição metodológica de Formação econômica do Brasil, primeiro volume da obra completa do autor, que será publicada integralmente pela Companhia das Letras – o próximo lançamento será A economia latino-americana.
Nascido em 1920 em Pombal, na Paraíba, Furtado formou-se em direito na Universidade do Brasil em 1944, decidindo dedicar-se à economia. Defendeu sua tese de doutorado na Universidade de Sorbonne, em Paris, onde estudou de 1946 a 1948. Em 1949 transferiu-se para a recém-fundada Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal), onde chefiou a Divisão de Desenvolvimento Econômico.
Celso Furtado não era um acadêmico tradicional. Politicamente engajado, ele usava seus textos como instrumento de luta. Via na ação planejadora do Estado o único caminho para o desenvolvimento econômico, que viria com a industrialização. Talvez por causa desse engajamento nunca foi aceito como professor numa universidade brasileira, apesar de ter ministrado aulas em Cambridge (Inglaterra), Harvard e Columbia (EUA) e Sorbonne (França), onde se tornou professor de carreira. Chegou a candidatar-se a uma cátedra na Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas o concurso ficou suspenso enquanto ele pleiteou o cargo.
Teve, porém, importante participação executiva em órgãos multilaterais, como a Cepal – berço da teoria estruturalista; e governamentais, como a Sudene – que ajudou a criar e da qual foi o primeiro superintendente; e o Ministério do Planejamento, no governo João Goulart. Como técnico, introduziu no país metodologias pioneiras de planejamento econômico, mas amargou um fracasso – o Plano Trienal, que formulou para o governo Goulart, em dezembro de 1962, resultou, muito ao contrário do pensamento do autor, num simples programar recessivo de estabilização econômica. Voltou então à Sudene, até que o Ato Institucional nº1, em abril de 1964, cassou-lhe os direitos políticos. Asilou-se na Embaixada do México e deixou o país, fixando-se em Paris. O último cargo público que exerceu foi o de ministro da Cultura no governo José Sarney (1985-1989). Morreu no Rio de Janeiro em 2004.
Lógica histórica
O enfoque globalizante de Formação econômica do Brasil, que impressionou Delfim Netto – “aquela interpretação integral, global, transmite uma lógica para a história que é absolutamente fantástica” – é, como disse Furtado aos autores de Conversas em economistas brasileiros, uma das chaves para a permanência da obra:
“A novidade que impressionou muita gente, inclusive na Europa – (Fernand) Braudel, um importante historiador, admirou-o muito por isso -, foi que eu coloquei o país na história global. O Brasil nasce como parte de um processo de desenvolvimento e expansão da Europa. Essa ligação entre a formação da economia brasileira e o processo da economia global era uma visão nova” (p. 75).
Da interpretação furtadiana dos ciclos econômicos brasileiros – a agricultura tropical da cana-de-açúcar, a economia escravista mineira do ciclo do ouro, a transição para o trabalho assalariado, com o fim da escravidão – emerge uma estrutura produtiva dual, caracterizada pela convivência entre um setor com alta produtividade, ligado às exportações, e o setor de subsistência, de baixa produtividade. Essa dualidade, que impediu o crescimento do mercado interno, responde pelas dificuldades do processo de desenvolvimento brasileiro, como a baixa capacidade de investir, as recorrentes crises fiscais e do balanço de pagamentos e a inflação. A correta interpretação desse fenômeno exigia, para Furtado, um novo instrumental metodológico. Quando analisa a dificuldade do país para se adaptar ao padrão-ouro, na fase da transição do trabalho escravo para o assalariado, Furtado escreve:
“Esse problema não preocupou os economistas europeus “que sempre teorizaram em matéria de comércio internacional em termos de economias de graus de desenvolvimento mais ou menos similar, com estruturas de produção não muito distintas e com coeficientes de importação relativamente baixos.” (Formação econômica do Brasil, p.161-2).
Outra contribuição importante de Formação econômica do Brasil é a descrição da gênese do processo de industrialização do país. Nos últimos capítulos do livro, Furtado demonstra que “(…) a industrialização do Brasil dos anos 30 se fez sem política de industrialização propriamente. Esta surgiu com Volta Redonda, muito tempo depois. Houve industrialização, só que sem política. Isso até hoje impressiona. E como foi possível então? Mostrei a criação de demanda efetiva, que decorria do grande pecado que era queimar café. Queimaram 80 milhões de sacas de café, e isso criou uma demanda efetiva que sustentou a economia.” (entrevista em Conversas com economistas brasileiros, p. 75).
Para demonstrar suas teses Furtado recorre a comparações com a economia norte-americana, o que em certos casos resulta em conclusões surpreendentes. Por exemplo, a de que, depois do crack da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, os Estados Unidos continuaram afundando, enquanto o Brasil crescia já a partir de 1932:
“Portanto, não crescia como economia reflexa, mas por dinâmica própria. Inventei o conceito de deslocamento no centro dinâmico. Isso fez com que muita gente compreendesse melhor o Brasil, o que considero o lado mais sedutor do livro” (entrevista em Conversas com economistas brasileiros, p. 75).
A crise de 1929 marca, para Furtado, o fim de uma fase da economia brasileira, a partir da qual os investimentos se deslocam do setor exportador para setores do mercado interno. Essa idéia de “deslocamento do centro dinâmico”, transformou-se, nas palavras de Ricardo Bielschowsky (Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimento, 4 ed., Rio de Janeiro: Contraponto, 2000), “numa espécie de paradigma da análise da história econômica brasileira da primeira metade do século 20” (p.141).
Persuasão
O poder de persuasão da retórica furtadiana explica a atração que Formação econômica do Brasil continua a exercer sobre os leitores depois de quase meio século. “Ao escrevê-lo” – diz Furtado no prefácio à primeira edição – “o autor teve em mira apresentar um texto introdutório, acessível ao leitor sem formação técnica e de interesse para as pessoas – cujo número cresce dia a dia – desejosas de tomar um primeiro contato em forma ordenada com os problemas econômicos do país”.
Para Delfim Netto, Formação econômica do Brasil pode ser lido como um romance. Isso é verdade, pelo menos nos capítulos iniciais. A quarta parte, que trata da transição para o trabalho assalariado e onde são apresentadas as inovações metodológicas do pensamento de Furtado, porém, exige alguma ajuda. O leitor interessado poderá encontrá-la no livro de Ricardo Bielschowsky, citado acima, especialmente a seção que trata do pensamento desenvolvimentista nacionalista (p.127 e seguintes).
Num momento em que o principal tema da agenda econômica é a aceleração do crescimento, a leitura de Formação econômica do Brasil conserva sua utilidade, apesar das inevitáveis revisões, especialmente dos dados numéricos apresentados pelo autor para defender suas teses.
(…)
Interpretação Fundamental
Já é hora de incluir o economista Celso Monteiro Furtado entre os “intérpretes do Brasil” – os autores de obras seminais que ajudaram a “explicar” o país e resistem ao passar dos anos. A lista é variável, embora Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Júnior ocupem lugares cativos. Voltando no tempo é possível acrescentar à relação autores como Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha e Manuel Bomfim. E seguindo adiante, Florestan Femandes e Raymundo Faoro.
A obra que coloca Furtado nesse panteão das ciências sociais do país é Formação econômica do Brasil, que chega à sua 34ª edição pela Companhia de Letras. Escrito na Inglaterra, quando Furtado dava aulas na Universidade de Cambridge, aproveita elementos da tese de doutorado defendida em 1948 na Universidade de Sorbonne, em Paris, sobre a economia do Brasil colônia, e de um ensaio sobre economia brasileira contemporânea produzido um ano depois. Foi publicado pela primeira vez em 1959.
Traduzido em nove idiomas, entre eles romeno, chinês e japonês, Formação econômica do Brasil transformou Celso Furtado num dos autores brasileiros da área de ciências sociais mais lidos e publicados – inclusive no exterior. Juntamente com o artigo do economista argentino Raúl Prebisch (“Desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas”, de 1949), constitui a base da escola estruturalista, que se desenvolveria na Cepal – Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe, criada em 1948. O estruturalismo teve grande influência na industrialização da região, baseada no modelo da substituição de importações, até o final da década de 70.
A originalidade de Formação econômica do Brasil consiste na combinação da investigação histórica com a análise econômica. Mas não se trata de um livro escrito para economistas. Essa, talvez, seja outra razão para seu sucesso.
Sobre o autor:
FURTADO, CELSO
Celso Furtado nasceu em 1920, na Paraíba. Formou-se em Direito, doutorou-se em Economia na Universidade da Sorbonne. Foi um dos fundadores da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Criou e dirigiu a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) até 1964. Foi ministro do Planejamento no governo João Goulart e, ao voltar do exílio, ministro da Cultura. Por vinte anos lecionou em universidades da Europa e dos Estados Unidos. É autor de cerca de trinta livros sobre teoria, política e história econômicas. Celso Furtado faleceu em 2004, no Rio de Janeiro.
Editora: CIA DAS LETRAS
Autor: FURTADO, CELSO
ISBN: 9788535909524
EAN: 9788535909524
Páginas: 352
Encadernação: brochura