Serrote – Vol. 37

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A revista Serrote #37 publica desenhos inéditos do cartunista Claudius Ceccon feitos na prisão durante a ditadura militar, ensaio do escritor J. M. Coetzee sobre a censura e artigo da historiadora Wlamyra Albuquerque a respeito do racismo estrutural. Traz ainda ensaios sobre temas como o racismo estrutural, a censura estatal e o impacto da pandemia de gripe de 1918 nas obras de Freud e Mário de Andrade.Um dos principais chargistas do país, Claudius foi levado ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social), em maio de 1964, para prestar depoimento. Do interrogatório, foi para a prisão. Em um caderno, o artista desenhou cenas do cotidiano no local, como o espaço da cela e a fila do banheiro. Após ser solto e sair do país, escondeu as ilustrações com medo de que fossem confiscadas. Passados muitos anos, não conseguia encontrá-las. Até que, recentemente, ao organizar seu acervo, doado ao IMS, o cartunista identificou os desenhos, agora revelados na serrote. “Desde aquele tempo, pouco falei de minha experiência. Quando me perguntavam, eu dizia que foram 17 dias na prisão. Para alguns era um alívio, era pouco tempo. Mas quando você está lá, sem perspectivas, não sabe se vão ser dias, meses ou anos”, escreve.Outro destaque desta edição é o ensaio da historiadora Wlamyra Albuquerque (1967), professora da Universidade Federal da Bahia. A autora reflete sobre os vínculos que ligam dois eventos recentes: a invasão do Capitólio por militantes trumpistas, nos EUA, e o expurgo de personalidades negras da lista de homenageados da Fundação Palmares no Brasil. Para a historiadora, os episódios revelam o racismo estrutural que permeia a formação dos dois países. Ameaçados pelo fortalecimento do movimento negro, governantes de direita reforçam a defesa dos privilégios brancos, estimulando o revisionismo da memória histórica.As ameaças do autoritarismo também são abordadas no ensaio do escritor J. M. Coetzee (1940), prêmio Nobel de Literatura de 2003. Partindo do caso da África do Sul, onde nasceu, o autor produz uma reflexão a respeito da censura à produção literária e dos efeitos da vigilância no próprio ato de criação. “Trabalhar sob censura é como ter uma relação muito próxima com alguém que não se ama, com quem você não quer intimidades, mas que impõe sua presença à força”, afirma. O texto foi escrito como introdução à coletânea Giving Offense – Essays on Censorship (1996), inédita no Brasil. O luto coletivo no contexto da pandemia é o tema do ensaio de Jacqueline Rose (1949), codiretora do Birkbeck Institute for Humanities. A pesquisadora analisa como a teoria da pulsão de morte, reformulada por Freud após o falecimento de sua filha, vítima da gripe espanhola, pode ajudar a pensar o atual momento. “O que sobra da vida interior quando o mundo se torna mais cruel, ou parece se tornar mais cruel do que jamais foi antes?”, indaga a autora. Assim como Freud, o modernista Mário de Andrade escreveu sobre os impactos da gripe espanhola, maior epidemia do século XX. No ensaio “Vanguarda pandêmica”, Susanne Klengel (1960), professora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim, mostra como o escritor retratou o impacto da doença sobre o cotidiano de São Paulo nos poemas do livro Pauliceia desvairada.Uma das principais ensaístas norte-americanas da atualidade, Leslie Jamison (1983) assina uma reflexão sobre o cotidiano. A autora parte de uma exposição apresentada no MoMA, composta por imagens caseiras de pessoas anônimas, para tratar da sua própria experiência da maternidade, dos momentos de calma e solidão, tédio e plenitude, em madrugadas amamentando. Público e privado, memória e história se conectam nesse ensaio sobre a beleza do que é comum.Em “As coisas como ela são”, a escritora mexicana, radicada nos EUA, Valeria Luiselli (1983) reconstitui a trajetória de Dorothea Lange, uma das principais fotógrafas americanas, conhecida sobretudo por suas imagens da Grande Depressão. Luiselli relembra a vida de Lange, desde a infância, quando contraiu pólio aos 7 anos, passando pela abertura de seu estúdio, em 1918, até a inauguração de sua primeira exposição no MoMA, em 1966. Ao narrar sua carreira, ressalta como a fotógrafa produziu um vasto arquivo da história das crises americanas no século XX.Em diálogo com o ensaio de Wlamyra Albuquerque, o pesquisador Serge Katembera (1986) analisa as mobilizações globais de afirmação da negritude. O autor acentua o papel crucial das s sociais ao unir atores de países e contextos distintos em manifestações antirracistas. Do #BlacksMatter aos protestos contra o assassinato de João Alberto em Porto Alegre, os “movimentos recentes mostraram que é possível pensar essa resistência das diásporas negras além das fronteiras nacionais”.A questão racial, no âmbito da arte, é abordada ainda no ensaio de Maíra Vieira de Paula (1987), que recebeu menção honrosa no 3o Concurso de Ensaísmo serrote. A pesquisadora faz um contraponto entre o Monumento às Bandeiras (1953), marco modernista de Victor Brecheret, e a obra Ainda a lamentar (2011), de Rosana Paulino. “Se a composição de Brecheret parece ter se estruturado na defesa de uma convivência harmoniosa entre cada uma das ‘raças’ que formariam a civilização brasileira, a de Paulino busca desvelar esse mito da democracia racial, até hoje em vigor”, pontua. A revista traz ainda outro ensaio que recebeu menção honrosa do Concurso de Ensaísmo serrote, promovido em 2020: “Perec e eu”, do escritor Bernardo Brayner (1975). Na seção “alfabeto serrote”, o historiador italiano Enzo Traverso (1957), professor na Universidade Cornell, analisa o termo “revisionismo”. O autor mostra como, ao longo do século XX, o conceito teve significados diferentes e contraditórios, desde as discussões dentro do campo marxista, passando pelos debates historiográficos posteriores à Segunda Guerra Mundial, até sua apropriação pelas seitas negacionistas.Em “A síndrome de Mariz”, o jornalista Diego Viana (1981), doutor em humanidades pela FFLCH-USP, faz uma releitura do livro O Guarani (1857), de José de Alencar, marco do romantismo brasileiro. Viana coloca em evidência a personagem do fidalgo D. Antônio de Mariz, tido como o paradigma involuntário do homem branco brasileiro, que vive como ameaça permanente em um país que insiste em dominar e explorar.A serrote #37 publica também um ensaio do escritor e médico irlandês, radicado na Inglaterra, Or Goldsmith (1730-1774). Em “Sobre os preconceitos de nacionalidade”, o autor faz uma reflexão irônica e bem-humorada sobre o patriotismo e os supostos méritos nacionais. O ensaio visual desta edição — “Pequena biblioteca de livros lidos” — é assinado por Pinky Wainer (1954). Em 16 aquarelas, a artista retrata as capas dos seus livros favoritos. Este número também publica obras de Carlos Zilio, Danilo Oira, Dorothea Lange, Edu Marin, Francisco Acquarone, Leandro Júnior, Liliana Porter e Rosana Paulino.

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